quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Morte do Bêbado

Sutil como um soco na boca do estômago. Ou como um chute nos testículos, se você preferir. O certo é que a notícia, vinda da boca de um amigo, caiu nos meus ouvidos com o atordoante efeito similar a qualquer um dos dois exemplos. “Mataram o ‘Fulano’ (não citarei o nome, por respeito à quem o conhece ou é da família), mataram ele lá na frente da lancheria, e eu vi tudo”. Os olhos arregalados e cheios de salgadas lágrimas, como os de uma criança, confirmavam a afirmação. “-Tentei impedir, gritei para os caras pararem, mas vieram para cima de mim com uma faca, corri e me escondi dentro do bar, só pude assistir pelo vidro, deixarem o cara agonizando até morrer, depois de racharem a cabeça dele com tijoladas e pauladas.” “-E tu chamou a PM?”, “-Chamei logo que vi que ia dar briga, mas chegaram só a tempo de levar o cara pro IML”.
O Fulano em questão, dependente do álcool e figura folclórica da cidadezinha do interior, morreu por traumatismo craniano, deixou bastante sangue na mesa de sinuca do bar para ser lavado, e um trauma no meu amigo, que nunca tinha visto nem gado ser abatido para alimento. Deixou também, na boca de algumas outras pessoas, comentários típicos: “Era tão bonzinho, só tinha o defeito de beber...”. E morreu por causa de R$ 2,50, ganhos na mesa de jogos, de dois rapazes de menos de 19 anos, que hoje mesmo, pararam no citado bar pra dar uns goles... A polícia, quando questionada sobre o destino dos dois, dignou-se a dar de ombros, e dizer que sem “fragrante” não havia detimento. “Foi bêbado que morreu, meu ‘fio’, não se perdeu nada”. A família, mãe e filhos pequenos, que era sustentada pelo falecido, provavelmente não pensa assim.
Os policiais ainda saíram comendo um gorduroso pastel, adquirido no carteiraço, comentando estarrecidos a “barbaridade que Bruno, aquele bandido, fez”, entraram no carro, deixaram o IML fazendo seu serviço de remoção do “presunto”, como eles se dignaram a chamar o corpo estendido, com o respeito e a educação típicos da raça fardada, e seguiram, muito provavelmente discutindo sobre o que fariam com Bruno, se colocassem as mãos nele. Pelo que se conhece dos dois jovens responsáveis por quebrar por uns segundos a rotina dos policiais, estavam dormindo tranqüilamente em casa, ainda proprietários dos dois e cinqüenta que por direito e justiça firmados em boteco, não mais lhes pertencia. Meu amigo, enquanto prestava depoimento, quase chorou, abalado com as lembranças de um assassinato presenciado impotentemente por ele, e ainda teve de ouvir, entre dentes, ser chamado de “fresco” pelo quase choro. A viúva, que também estava na delegacia no momento, era questionada por um de seus meninos a respeito do pai, e chorava muito, de acordo com o que me foi contado, e era repreendida pelo “fiasco” que tumultuava a paz de tão nobres e solícitos profissionais. Nobres e solícitos profissionais que nunca exitaram um único momento em descer a mão nos guris da minha turma na minha adolescência, mas que demoram quase 40 minutos para fazer o percurso de 3 km que existem entre seu posto e o bar em questão, quando chamados para resolver uma briga ou para evitar um assalto.
Nada tenho contra os policiais honestos e sérios, que merecem respeito e trabalham enfrentando bandidos todo o dia. Admiro o policial que coloca a cara na frente de um revolver, que defende a sociedade e faz seu papel de agente contra o crime. Não conheço nem um sequer assim, mas sei que devem existir, e à vocês minha admiração. Infelizmente o outro tipo abunda e destrói, pisa e escarra na imagem séria que deveria existir e é manchada diariamente pelos mesmos. Este texto, caro amigo que me perguntou “porque Diego, tu sempre faz essa cara de descrédito ao ver um PM?”, é a resposta à sua pergunta. Este texto é meu desabafo. O “presunto”, o bêbado inútil que morreu, e que não fará falta alguma havia sido meu amigo, anos atrás. E ele fará falta para muita gente que não concordava com seus atos, mas o respeitava pelo que ele havia sido em vida. Era um bêbado. Mas era um pai, um marido e um amigo para muitos. Eu tinha histórias engraçadas para recordar dele. Eu tinha pedido grana emprestada para ele, há anos atrás, quando não era o que sou hoje. Eu tinha emprestado grana pra ele quando me pediu. Nós havíamos bebido juntos, jogado sinuca. Seguimos caminhos diferentes, eu venci, ele caiu em vício, e acabaram por terminar com suas chances de recomeçar, com uma morte indigna, por causa de malditos dois reais e cinqüenta centavos fodidos. E os assassinos ainda caminham livremente, zombando das pessoas boas que engolem suas revoltas de forma amarga. Não houve “fragrante”. Os restos da massa encefálica do cara na mesa de sinuca, os tijolos esmigalhados e grossos pedaços de pau ensangüentados nada falam, simplesmente eram sujeira que meu amigo e seu pai tiveram de limpar. Morreu só um bêbado, e na verdade os jovens fizeram o favor de matar mais um inútil que trabalhava e sustentava família, e assim, limparam um pouco mais a sociedade. Você que lê pode ter um pai, uma mãe, irmãos alcoólatras, que pela ótica destes dois policiais, merecem morrer. São só mais alguns “bêbados.”

P.S.: Antes que me critiquem pelo linguajar politicamente incorreto, tenho parentes alcólicos, sofro por eles como quem sabe você sofra pelos seus. Minha revolta me faz escrever na maioria das vezes, por isso, minha linguagem muitas vezes chula. Se o presidente e os maiores escritores do país podem, também me reservo este direito.

Diego Schirmer

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